24 de set. de 2013

VEGANISMO CRESCE EM BRASÍLIA


Antes, tinha a ver com saúde. Hoje, está intrinsecamente ligado a uma escolha consciente e política. Após a onda do vegetarianismo, ganha força a dieta que exclui o consumo de todos os tipos de carne, aves, peixes, laticínios, ovos e mel, e inclui atitudes que levam em consideração questões de meio ambiente, vestuário e higiene. Considerados ativistas em prol dos direitos animais – que, em tempos de alta produção e consumo, sofrem em altíssima escala –, os veganos foram ao mercado e se fizeram ouvir.

Das antigas opções básicas, restaurantes e empórios se empenharam e desenvolveram produtos nos moldes da demanda, capazes de atrair muitos fãs de churrasco. De cappuccino com leite de grãos a cupcake recheado, sem ovo, as opções são surpreendentes. Tanto em termos de criatividade quanto de sabor. E já contam com respaldo nutricional.

“É uma exigência cada vez maior do público”, constata a empresária Luci de Oliveira, após trabalhar diariamente, há três anos e meio, com sorvetes artesanais. Dona da Palazzo, na 706 Norte, a sócia-proprietária lembra-se dos pedidos frequentes que chegavam à loja, buscando versões sem leite da delícia gelada, para atender tanto aos clientes intolerantes ao componente quanto aos contrários ao uso do ingrediente animal. “Não é mais só uma necessidade física. É uma necessidade também da definição de estilo de vida deles, da forma de comer”, observa.                         

Ainda no primeiro ano de funcionamento da loja, veio a adequação. Feito sem adição de açúcar ou qualquer indício de produto laticínio, o sorvete de chocolate, que carrega o conceito da casa, de cremosidade italiana, agradou e resultou em uma das combinações mais consumidas e adoradas pelos veganos brasilienses: o milkshake de chocossoja. Apesar da composição rica no leite da proteína, o gelato tem um sabor suave, que não esconde o gosto inconfundível do chocolate. Ganhou diversos consumidores, até os que não têm restrições alimentares. “Ele não pode faltar”, enfatiza Luci, já colocando o sabor ao lado do de pistache e de doce leite argentino, os mais pedidos na sorveteria.

Também na 706 Norte, aparece a possibilidade de uma dupla americana, há anos certeira. O The Plates criou o hambúrguer vegano, que, desde o pão até a versão para o tradicional cheddar americano, recebeu moldes vegetais. A versão da carne é feita com abobrinha, cenoura, ervilha fresca e soja grelhados, enquanto o acompanhamento, ao lado da salada e da cebola caramelizada, é o mandioqueijo, feito da raiz, com a consistência do queijo, mesmo sem ter o ingrediente na receita. “A procura é grande”, admite um dos sócios da lanchonete, Vinícius Pinheiro.

Em um blog especializado na cultura vegana, a releitura do item fast-food foi eleito o melhor na cidade. Para o dono do endereço virtual Distrito Vegetal, Pedro Matos, o mercado abraçou o movimento vegano. “Comer ainda é um hábito muito social. Não é apenas uma necessidade fisiológica”, pontua Pedro. “Hoje já há uma série de lugares para comer acarajé, pastel, pizza, várias coisas veganas.”


Embora tenha ganhado inúmeros pratos considerados estritamente vegetarianos em negócios da cidade, a abrangência dos negócios aparece de forma gradual. Adepta à alimentação vegetariana há 13 anos e à prática vegana há cinco, Marina Corbucci é uma das responsáveis pelo – ainda – único estabelecimento 100% livre de origem animal em Brasília. “Eu e meus sócios sentíamos muita falta de um restaurante em que a gente pudesse comer tranquilamente, e que tivesse opções mais elaboradas e criativas do que se vê por aí no mercado. E, acima de tudo, que fossem saborosas”, afirma, lembrando o cenário em que surgiu o Café Corbucci ( Facebook ), na 203 Norte.



Estruturada no uso basicamente de grãos, leguminosas, frutas, verduras, oleaginosas e especiarias, a quantidade de opções surpreende. “E é muito raro alguém não gostar”, assegura Marina. Aliás, parte significativa dos frequentadores do restaurante não é de seguidores da dieta vegetariana, segundo ela. A aprovação dialoga diretamente com o cardápio, chamativo a muitos paladares.

Tapiocas recheadas, quiches, pão de queijo sem queijo, sopas e sobremesas, como o bolo de chocolate de nozes e o cheesecake fake de frutas vermelhas, estão entre as muitas opções para acompanhar a carta de cafés da casa. Entre as bebidas, o mocha, o cappuccino e o chocolate quente são os mais pedidos, apresentados, na maioria das vezes, com a composição do leite de amêndoas. Entre os pratos mais elaborados, o falafel, feito com bolinhos de grão de bico fritos, homus e relixe de pepino, surge como ótima pedida.

Atenta ao movimento que conquistou muitos brasilienses, Marina lembra como essa culinária se firmou na capital. “É perceptível o crescimento da oferta e da demanda. Mas houve muita pressão”, frisa. “O público teve de ir ao mercado, falar, explicar o que era um vegano”, recorda-se, citando o que chamam de ativismo gastronômico.

Na doceria Brigadeirando, a movimentação a partir de um cliente mirim, com alergia à lactose foi o pontapé inicial para a linha vegana, que hoje conta com cupcakes, brigadeiros e brownies, sem qualquer ingrediente animal. As adaptações levaram tempo e vieram a partir de bastante pesquisa. “A produção é mais difícil”, reconhece Karla Sousa. Porém, a doceira por trás das delícias que a lojinha decorada no Sudoeste apresenta não desanima. “Hoje em dia, é bem mais fácil achar os ingredientes por ter muita gente pedindo”, alega.

Na seção dos minibolos, os sabores maracujá com chocolate, musse de avelã, cocada, torta de maçã com limão-siciliano e cenoura com recheio de chocolate belga e cobertura de ganache estão entre os mais cobiçados de uma lista que não para de crescer. E o resultado agrada. Apesar da ausência dos até então fundamentais ovo, leite e manteiga, a consistência e a textura dos bolinhos são praticamente as mesmas, enquanto o gosto não deixa nada a desejar às iguarias repletas de leite condensado tradicional.

No Bistrô Ômega 3, o foco é na alimentação saudável com redução de gordura. Nesse contexto, nasceu o cardápio que, em cada seção, contém pelo menos uma opção vegana. A bruscheta feita com pão integral de chá verde surge entre as entradas, enquanto o risoto de shitake com shimeji, ao molho de shoyo light, vinho branco e tomate seco, se destaca como prato principal.



Para a sobremesa, a delícia de frutas vermelhas, que intercala camadas de amora e morango com mix de castanhas e creme de soja, traduz bem o conceito saudável implementado pelos irmãos Rafael Anjos, nutricionista, e Tatiana Anjos, assessora esportiva. O incentivo à saúde é tão forte no restaurante, localizado na 413 Norte, que quem for de bicicleta ao estabelecimento ganha um desconto de 10% no valor final da conta.
Para os que achavam que a restrição alimentar causava mais danos – especialmente à saúde – do que benefícios, os adeptos sustentam que os estudos em relação às dietas vegana e vegetariana respondem positivamente, inclusive para crianças e gestantes. Apesar disso, é importante um acompanhamento, como em qualquer outra alimentação. “O cuidado não é maior, porque as deficiências são as mesmas que se pode ter em vegetarianos e não vegetarianos”, explica o médico nutrólogo Eric Slywitch.

Diretor do Departamento de Medicina e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SBV) e especializado na área, ele explica que a avaliação de nutrientes em um paciente que segue uma dieta carnívora ou não será feita igualmente. E completa, quanto a possíveis deficiências de nutrientes: “As correções serão feitas com suplementos ou alguns ajustes alimentares que não dependem dessa proteína animal”.

Na vida da professora de inglês Patrícia Gurgel, a decisão de se tornar vegana veio bem mais cedo do que na maioria das pessoas que aderem a esse estilo de vida. “Aos 12 anos, eu tive a visão de que o que eu estava comendo era aquilo que eu gostava”, lembra, mencionando a paixão por animais. “Foi por uma questão de associação mesmo, e eu fui parando de comer carne aos pouquinhos.” Hoje, como ativista, ela pontua que a prática envolve mais do que apenas uma dieta e acompanha de atitudes, como não consumir produtos que envolvam animais, desde cosméticos até opções de entretenimento, como circos e filmes.

                 A vegana Patrícia Gurgel, no empório Bioon Ecomercado: opções desde vegetais até cosméticos

Testemunha da transição que a cidade passou nos últimos 15 anos, Patrícia enxerga bem o aumento da oferta que cerca os novos veganos. “As opções melhoraram, não só na parte da alimentação, mas também dos produtos. Eu jamais imaginaria ter um lugar como esse em Brasília em 2001”, comenta sobre o empório Bioon Ecomercado, na 302 Norte. O estabelecimento oferece desde frutas sem agrotóxicos até versões de cookies, massas e doces sem envolvimento animal, além de cosméticos no mesmo molde.




Fonte : Correio Web

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